segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Sãos e Salvos

O imenso carro percorria a cidade, vazia e sem luz, antes famosa pelas suas cores chamativas, luzes que brilhavam em todos os cantos: holofotes, carros, prédios, etc. Essa não era mais a realidade. Depois da Guerra, tudo era escuridão e, nas casas, tudo que o se tinha era esperança de um amanhã melhor. Mães esperavam a volta do seu marido, filhos esperavam o regresso do pai. De porta em porta o carro parava e, de lá, saia um soldado, um pai, um companheiro, que se corroia de felicidade por rever a família, depois de tudo que acontecera e ver que todos estavam bem.

A alguns quilômetros dali, uma mulher estava sentada na cama ao lado do filho, pequeno, apenas uma criança, e tentava fazê-lo dormir, afinal, nesses tempos, era menos doloroso manter-se com a mente vazia, livre de pensamentos ruins e dormir era o melhor a se fazer, porém o mais difícil. A criança relutava a dormir, queria esperar o pai, era tão pequeno, tão cheio de sonhos, um menino, acima de tudo, que tinha o pai como exemplo para tudo, era seu super herói.

- Meu filho, eu te amo tanto – a mãe sussurrou no ouvido da criança, já deitada, preparada para dormir.

- Também te amo, mamãe – uma sensação de sono invadiu o pequeno. Um bocejo.

- Durma, durma, já está tarde e crianças da sua idade devem ir para a cama cedo. – A mãe disse, passando a mão pelos cabelos do filho, de forma suave. – Só feche os olhos, e durma. O papai nunca vai nos deixar sozinhos – falava mais ansiosa que o filho, tinha um mau pressentimento.

Enquanto o tempo passava, a mãe cantarolava uma canção de ninar:“Apenas feche os olhos, o sol está se pondo. Vai ficar tudo bem, ninguém pode te ferir agora. Venha, luz da manhã, você e eu vamos estar sãos e salvos.” Até que o filho finalmente adormeceu nos braços da mãe, dormiu com esperança de acordar e estar ao lado do pai, depois de todo esse tempo.

Ela não se atrevia a olhar para fora da janela, tudo lá fora estava em chamas, destruído pela guerra que continuava na sua porta. Tentou se manter apegada à canção e não parou de cantar, até que a musica se foi, e ela adormeceu ao lado da criança, os dois ainda de mãos dadas, lembrando do momento das doces palavras do homem que amava: “eu nunca vou te deixar sozinha, tudo vai ficar bem e no final e nós vamos ficar sãos e salvos, juntos, sãos e salvos” enquanto as lagrimas escorriam pelos seus rostos no momento de despedida.

O carro do exército agora iria até a última rua da cidade, a única que restava. Só havia mais um homem dentro. Todos os outros já estavam em suas casas, sendo abraçados por suas mulheres e filhos, mas não esse. O caminho até o final da rua foi longo, pareceu uma eternidade até chegar à última casa, um casebre de madeira de um cômodo só, onde vivia uma família pobre. Provavelmente alguém esperava lá dentro. Esperava, sim. O homem sabia disso, mas não sabia se devia estar feliz ou triste por isso.

As luzes do farol do carro iluminaram a janela do quarto e a mulher acordou. Alguém batia à porta da casa. Só podia ser ele! O coração dela disparou. Finalmente o momento do reencontro tinha chegado, finalmente poderia abraçar o marido depois de todo esse tempo de desconsolo, saudade e falta de notícias. Ela correu até a porta e hesitou um momento antes de abri-la, o nervosismo não deixava. Mais uma batida, então ela a abriu.

Do lado de fora, um homem esperava, fardado, com as roupas rasgadas, sujas e mal cheirosas, possuía algumas cicatrizes pelo resto, alguns dentes lhe faltavam na boca e seu cabelo parecia meio chamuscado, como se tivesse pegado fogo. Eram exatamente como ela esperava ver seu marido, de nenhuma forma menos machucado ou sujo, afinal, era uma guerra. Porém, o homem que a esperava não era seu marido, não o conhecia. Quem seria? O medo percorreu o corpo da mulher e então o estranhou falou, com a voz falha:

- Sentimos muito pelo seu marido – disse isso e entregou à mulher um pingente de ouro grafado com as palavras “São e Salvo”, que usava no momento que morreu como herói.

Texto de Gabriel Paiva

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